O sotaque dos mineiros
Por Terezinha Pereira
O sotaque dos mineiros deveria ser ilegal ou imoral. Porque, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, como é que o falar lindo dos mineiros ficou de fora? Porque, Deus, que sotaque!
Mineiro deveria nascer com tarja preta avisando: ouvi-lo faz mal à saúde. Se um mineiro, falando mansinho, me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: só isso? Assino achando que ele me faz um favor. Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma..
Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem abandoná-las no meio do caminho (não dizem: pode parar, dizem: “pó parar”. Não dizem: onde eu estou?, dizem: “ôncôtô”. Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem lingüisticamente falando – apenas de uais, trens e sôs. Digo-lhes que não.
Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é “bom de sirviço”. Pouco importa que seja um juiz ou jogador de futebol. Mineiras não usam o famosíssimo “tudo bem”. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: -
“Cê tá boa?”.
Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário. Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer:
- “Mexe” com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc.).
O verbo “mexer”, para os mineiros, tem os mais amplos significados. Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido.
Querem saber o seu ofício. Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta. “Sôcê” (se você) acha que não vai
chegar a tempo, você liga e diz:
- “Aqui”, num vô dá conta de chegá na hora, não, “sô”.
Esse “aqui” é outro que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto, quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção. É uma forma de dizer:
- Olá, me escutem, por favor. É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor. Mineiros também não dizem apaixonado por. Dizem, sabe-se lá por que, “apaixonado com”. Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: – Ah, eu apaixonei “com” ele… Ou:
_Sou doida “com” ele (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro).Elas
vivem apaixonadas com alguma coisa.
Que os mineiros não acabam as palavras, todo mundo sabe. É um tal de “bunitim”, “fechadim”, “cupim” ( em vez de copinho), “PURQUIM”EM VEZ DE PORQUINHO, e por aí vai. Já me acostumei a ouvir:
- E aí, “vão?”.
Traduzo:
- E aí, vamos?. Não caia na besteira de esperar um “vamos” completo de uma mineira. Não ouvirá nunca. Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram.
São barradas pelas montanhas. Por exemplo, em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: – Eu preciso “de” ir. Onde os mineiros arrumaram esse “de”, aí no meio, é uma boa pergunta. Só não me perguntem. Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório. Deixa eu repetir, porque é importante. Aqui em Minas ninguém precisa ir a lugar nenhum. Entendam… Você não
precisa ir, você precisa “de” ir. Você não precisa viajar, você precisa “de” viajar. Se você chamar sua filha para acompanhá-la ao supermercado, ela reclamará:
- Ah, mãe, eu preciso “de” ir?
No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um “tanto de coisa”. O supermercado não estará lotado, ele terá um “tanto de gente”. Se a fila do caixa não anda, é porque está “agarrando” lá na frente. Entendeu? Agarrar é agarrar, ora! Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena, suspirará:
- “Ai, gente, que dó”.
É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelos mineiros. Não vem “caçar confusão” pro meu lado. Porque devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro “caça confusão”. Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele “vive caçando confusão”. Para um mineiro falar que algo é muitíssimo bom vai dizer:
- “Ô, é sem noção”. Entendeu? É “sem noção”! Só não esqueça, por favor, o “Ô” no começo, porque sem ele não dá para dar noção do tanto que algo é sem noção, entendeu? Capaz… Se você propõe algo ela diz:
- “Capaz” !!! Vocês já ouviram esse “capaz”? É lindo. Quer dizer o quê? Sei lá, quer dizer “ce acha que eu faço isso”!? Com algumas toneladas de ironia… Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá:
-”Ô dó dôcê”. Entendeu? Não? Deixa para lá. É parecido com o “nem…”. Já ouviu o “nem…”? Completo ele fica:
- Ah, “neeeem”… O que significa? Significa, amigo leitor, que o mineiro que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum. Você diz:
- Meu amor, “cê” anima “de” comer um tropeiro no Mineirão?
Resposta:
- “Neeeem….”. Não vai de jeito nenhum! Ainda não entendeu? Uai, nem é nem.
A propósito, um mineiro não pergunta: – Você não vai?. A pergunta, mineiramente falando, seria: – “Cê” não anima “de” ir? Tão simples. O resto do Brasil complica tudo. É, ué, cês dão umas volta pra falar os trem…
Falando em “ei…”. As mineiras falam assim, usando, curiosamente, o “ei” no lugar do “oi”. Você liga, e elas atendem lindamente:
- “Eiiii!!!”, com muitos pontos de exclamação, a depender da saudade…
Há tantos outros… O plural, então, é um problema. Um lindo problema, mas um problema. Elas chegam onde tem um tantão de gente junta e dizem “Eeeeeiss!”
Sou, não nego, suspeito. Minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras. Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra, não quer dizer que a oficial esteja com a razão. Se você, em conversa, falar:
- Ah, fui lá comprar umas coisas… ?
- “Que’ s coisa”? – ela retrucará. O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o que. Ouvi de uma menina culta um “pelas metade”, no lugar de “pela metade”. E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará:
- Ele pôs a culpa “ni mim”. A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas.
Ontem, uma senhora docemente me consolou: “preocupa não, bobo!”. E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras, nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: “não se preocupe”, ou algo assim. A fórmula mineira é sintética. E diz tudo.
Até o tchau, em Minas, é personalizado. Ninguém diz tchau pura e simplesmente. Aqui se diz: “tchau pro cê”, “tchau pro cês”. É útil deixar claro o destinatário do tchau.